A Economia e as Expectativas
A GESTÃO DO IRRELEVANTE: ENTRE O PÍFIO E O BANAL
A macroeconomia é pragmática e, simultaneamente, paradoxal. Por ser um amontoado de interpretações, escolas e teorias repletas de números e fórmulas, de um lado rege parte do cotidiano das pessoas, mas por outro, faz com que dela se afastem por não entenderem seus procedimentos de taxa de câmbio, balanço de pagamentos ou política fiscal. A linha comum dos pesquisadores é o consenso de que não importa qual teoria ou caminho optar, os resultados só emergem na persistência do longo prazo. Especialistas e governantes sabem disso: quem ousa o oportunismo barato de antecipar o futuro sem fortes alicerces na base, desdenha uma convulsão social.
A sua irmã siamesa, a Microeconomia, é mais vicinal ou vizinha das necessidades das pessoas. É relativa às transações das empresas e negócios específicos, com um horizonte próximo na linha do tempo, é quase um bate-pronto nas regras de mercado, satisfação do consumidor e retorno de investimentos de incentivos como a inovação.
Na realidade, considerando os fatores sistêmicos que compõem a Economia, o que para uma é um ingrediente principal de estrutura, para outra é um tempero de conjuntura, e o inverso também pode ser verdadeiro, pois uma não vive sem a outra. Assim, nas abstrações dos modelos e simulações quase perfeitos (mas nunca o são), economista adora dizer Coeteris Paribus, como forma de não arder no fogo do inferno da realidade.
Mesmo antes da posse do novo presidente Bolsonaro, e reafirmando suas palavras em solenidade de transmissão de cargo, o ministro da Economia Paulo Guedes busca uma visão de futuro de 10 anos, onde o crescimento do país será inexorável, se conseguir estancar as despesas que crescem descontroladamente. Para tanto, as reformas infraconstitucionais necessárias irão se concentrar na Previdência, Política Tributária e Política Fiscal. Esse é o tripé macroeconômico que o planejamento e inteligência da equipe ministerial irá se defrontar para liberar a competência empresarial do jugo de decisões de um comando central, favorecendo a dinâmica liberal microeconômica de mercado. É a forma de ajuste das irmãs siamesas onde a fome de uma é a vontade de comer da outra.
Por tudo aquilo que o país já passou nas últimas três décadas, a proposta apresentada é inovadora no sentido de retirar de cima da população o peso mastodôntico do estado, e nessa objetividade, é mais promissora e de racional possibilidade de dar certo. Não é mais do mesmo.
Mas, como a cautela, canja de galinha e aprender com os erros, nunca fizeram mal a ninguém, a memória do que aconteceu recentemente no comando da economia, é importante para não repetir o voluntarismo de ministros e presidentes que deformou a nação.
A parte referente às contas nacionais (orçamento, dívida pública, previdência), até para os “experts”, se transformou em um desafio no entendimento das novas coisas que iam surgindo como a mágica contábil, pedalada fiscal ou a gestão do irrelevante, na estagflação desastrosa de Dilma e Mantega, prenunciada pelo balcão de negócios de Lula e Palocci. Essa crise foi a maior contribuição de uma equipe governamental ao arrocho e desastre econômico de todo um país, tão grave ou maior que o Plano Cruzado ou Plano Collor. Iniciou no ano de 2014, provocando um impeachment em 2016 e ainda com reflexos até 2018. Para qualquer analista mediano de investimentos a equação não fechava.
Como pedir austeridade à população e ao empresariado, se o governo não conseguia administrar menos de 5% dos cortes em seu orçamento (2 trilhões de reais)? E mais, fez uma revisão para 0,5% (6 bilhões de reais) de redução da meta fiscal, e ainda considerava esse traque um esforço hercúleo? Por consequência a dívida pública atingiu patamares gregos nos últimos cinco anos com aumento de mais de R$ 1,0 trilhão de reais (www.tesouro.fazenda.gov.br), a inflação média (acima de 6%) paralisou o PIB anual recessivo (-2%), os juros (8,5% a.a, taxa média SELIC) estouram os cheques especiais (acima de 300% a.a) e cartões de crédito (250 % a.a) da população, o empresário não investe, a renda real do trabalhador caiu (2,3%) e o desemprego aumentou (13,0%) na última avaliação trimestral. Até então, o que era uma bola de neve, à partir da queda da avaliação de risco do Brasil pelas agências internacionais, virou uma avalanche. O motivo Abraham Lincoln já sabia em meados do sec. XIX:
“Você consegue enganar uma pessoa durante muito tempo ou várias pessoas durante pouco tempo, mas não consegue enganar todos durante muito tempo”. (CLACK, G., pg.61)
Nenhum investidor coloca seu capital em uma casa que desmorona.
No microcosmo do orçamento individual e dos pequenos empreendimentos, longe do capital barato dos bancos oficiais para grandes empresas, deve-se colocar a mão onde se alcança, ou seja, só se gasta aquilo que se tem. Às vezes, por uma contingência de saúde, emergência ou arrojo para dias melhores, a regra é quebrada. E se não for dessa forma, o endividamento sufoca e penaliza a pessoa, e aí no dito popular “é hora de cortar na carne” ou do sacrifício para equilibrar novamente a vida.
Os mais sábios sempre falam que uma ação vale mais que mil palavras, e a condição básica de qualquer autoridade é que ela possa dar os melhores exemplos para quem a colocou naquela representação. É o que se esperava, em vão, na convivência os comandantes governamentais que riam do esforço alheio. Tudo ao estado, nada à população.
Nas relações sociais das últimas décadas esperava-se que o exemplo de austeridade viesse de cima do governo e das autoridades públicas. Mas, o que vimos foi exatamente o contrário: 38 ministérios com uma promessa para diminuir para 29, mas com um corte irrelevante de menos 5% nos cargos de confiança/comissionados (1 mil cargos, de um total de mais de 24 mil). Os grandes valores de um governo transcendem o monetário. A desconfiança e a insatisfação foram a maior derrocada da política econômica equivocada, com aumento exacerbado salarial de mais de 40% para o Judiciário nesses anos, a grande quantidade de obras inacabadas (10 bilhões de reais), os programas de governo com gestão social duvidosa (bolsa família, PRONATEC, FIES, Minha Casa Minha Vida, etc.) e, principalmente, o choque anafilático na saúde, educação e segurança. Essa última, reflexo da corrupção política deslavada, contribuindo para a elevada marginalização policial e impunidade judicial generalizada à bandidagem e ao crime organizado.
Os maiores reflexos, infelizmente, impactaram a juventude, criando a geração nem-nem (nem emprego e nem trabalho) e os desalentados que chegou ao ápice de 5 milhões de pessoas que gostariam de trabalhar, mas não procuram mais emprego. A irresponsabilidade e a incompetência geram o desemprego e o aumento da marginalidade e, para o futuro, alimenta a falta de perspectivas e motivação para romper os desafios pelo mérito educacional e ser mais um “doutor” desempregado, ou ganhador de bolsa social. É preciso inverter essa lógica de dependência aos favorecidos do poder, característica do paternalismo estatal. A última Pesquisa Mensal de Emprego, feita pelo IBGE (ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores) nas seis principais regiões metropolitanas do país aponta os horrores que se assemelham aos já conhecidos países em grave crise que optaram pelo desmanche de suas competências: na faixa da população mais jovem, com idade entre 16 e 24 anos, o aumento na desocupação (taxa de desemprego) tem índices que saltaram de 11,2% em dezembro de 2014 para 18% em junho deste ano, mas em metrópoles como Salvador e São Paulo, as taxas chegam a 26,4% e 21%, respectivamente. O PCC e o CV agradecem.
Enquanto alguns espertalhões inflamam suas retóricas contra o fantasma da elite dominante, ou na utopia de uma sociedade sem classes, administrada por meia centena de nababos e (pseudo) iluminados, a justiça fica fragilizada na lentidão do acúmulo de processos e facciosa no julgamento de crimes hediondos. É a descrença no julgamento social que gera mais transgressões e que banalizam a maldade na velocidade de um “post” via Internet. A normalidade, para a turma mais jovem e sem perspectivas do trabalho, é um pancadão de fim de semana onde jorram as drogas para outros crimes piores em um “rolezinho” de sensações imediatas. A “tchurma” afeta à humilhação do ócio, não busca e não sabe mais o que são valores pessoais, ética ou respeito, palavras que soam ocas e sem aderência ao deslumbramento midiático. Dane-se o futuro, o estudo, o trabalho, o longo prazo. É sentar a pua, aqui e agora!
Nesse cenário grotesco, a defesa aos direitos humanos, ao meio ambiente, a preservação do patrimônio artístico e cultural, ou simplesmente o respeito às pessoas, são realidades tão distantes como as galáxias de extra-terrestres em um filme de ficção cientifica. A maldade é banalizada e ampliada na proporção inversa da velocidade da justiça, e a legislação apodrece a meio caminho dos poderosos, completando o círculo vicioso de um tempo perdido na decepção e amargura coletiva.
Mas, se até na árida matemática pode-se mudar repentinamente a direção de uma curva ou função, também há algum fio de esperança social que pode virar uma forte corrente de cidadania. É o que se espera com o novo governo que assume agora, como um ponto de inflexão. A possibilidade significativa de mudança deve trazer em seu bojo a confiança na continuidade de bons resultados, quase sempre a partir de uma conquista obstinada ou pouco provável, como vem acontecendo. Davi contra Golias, passando por Alexandre “O Grande”, Da Vinci, Ghandi, Irmã Dulce, até chegar em Mandela ou Zilda Arns, essas personagens históricas exemplificam, como tantas outras, a forma robusta de crença em seus propósitos e trabalho. Não há mágicas ou santo milagreiro! Contudo, uma liderança respeitada e digna com uma equipe competente inspira o resgate da competitividade e da produtividade baseado na meritocracia. As armadilhas conhecidas continuam as mesmas: ceder espaço a empresários ladravazes e políticos de compadrio na composição do funcionamento nas instituições e Economia. Essa postura pode até não ser o remédio de todas as curas, mas já é possível inverter o rumo de morte anunciada.
As muitas interpretações de correntes teóricas sugerem uma em particular, que carrega em seu nome a condição de segurança em mudanças no presente para melhorias futuras: Expectativas Racionais. Embora não seja um instrumental analítico revolucionário (ainda bem que não!), essa opção construída no começo da década de 60 do século passado pelo economista John Muth (1961), que definiu um “mainstream” de pesquisadores sobre essa linha, é municiada por um fator vital, muito em voga nesse início de milênio: sistemas integrados de informações. As orientações e decisões são baseadas no entendimento de modelos estocásticos dos setores principais que movem a produção de bens e serviços, que numa visão do todo, apontam a saída do mar revolto das crises econômicas, como um radar de precisão para o menor risco.
Em um artigo publicado há 38 anos, o ex-diretor da Escola de Pós-Graduação em Economia da FGV, Mário Henrique Simonsen, já vislumbrava:
“Há dois preconceitos em relação a essa teoria. Primeiro, que ela é hermética, exigindo a substituição da macroeconomia tradicional pela macroeconomia estocástica. Segundo, que ela conduz ao monetarismo extremado: nem a curto prazo as políticas monetária e fiscal podem afetar o emprego e o produto real, salvo quando o Governo consegue ser imprevisível. Keynes perdeu seu tempo ao escrever a Teoria Geral do Emprego, e o combate à inflação é muito mais fácil do que pensa a maioria dos políticos e economistas: basta pisar forte no freio monetário e as taxas de inflação cedem rapidamente, com minúsculos efeitos colaterais sobre a produção e o emprego.” … “Comecemos por algumas observações absolutamente pacíficas, e que não se limitam ao campo da economia: a) a vida nos obriga muito frequentemente a agir com base em previsões para o futuro; b) toda previsão é sujeita a erro, representando, portanto, a estimação de uma variável aleatória; c) ninguém gosta de fazer previsões erradas; d) as previsões baseadas em modelos científicos costumam ser melhores do que os simples palpites; e) os modelos, para gerar previsões, precisam ser municiados por informações; a qualidade de suas previsões depende, pois, da extensão e da precisão do conjunto de informações.” (SIMONSEN, M.H.,pag.456/457)
Há alguns anos, agosto de 2015, o físico César Hidalgo, vinculado ao Massachussets Institute of Technology (MIT) e autor do best seller “Why Information Grows: The Evolution of Order, from Atoms to Economies”, reforça que a densidade e a intensidade no domínio dos sistemas de informações de produtos e serviços, são indispensáveis. As relações de produção tão em voga em décadas e trabalhos científicos passados, agora é entendida como relações na complexidade das informações, isto é:
“…um cesto de vime pode ser feito por uma única pessoa… A cadeia de conhecimento envolvida na criação de um carro elétrico é imensamente maior… Os países onde a desigualdade é mais baixa são justamente aqueles em que o grau de complexidade econômica é mais alto… A confiança diminui o custo de transação. Com ela, é mais fácil interagir, os vínculos são mais sólidos e mais duradouros. Só assim é possível participar de redes amplas, acumular conhecimento e, eventualmente, atingir graus mais altos de complexidade”. (HIDALGO, C., pags. 20 e 21).
Como um grande campeonato de futebol, a economia nacional se embola. Não dá para entrar na disputa já sabendo que vai ser rebaixado, ou apresentar um Orçamento deficitário para anos vindouros! Isso não é transparência, é confissão de derrota! Quem entende um mínimo, sabe que a probabilidade dos times que não fazem bons investimentos em jogadores é elevada para cair na tabela e seguir para divisões inferiores. É onde, nesses últimos anos, colocaram o país. Agora, temos uma ideia de que a comissão técnica é melhor e que suas táticas de “Agenda Nacional” podem ser vencedoras. Oxalá continue o otimismo sustentado nos melhores resultados.
Chega de padecer na busca de uma recuperação e do tempo perdido, onde a inconsequência foi o atestado que os justos veem pagando (impostos, é claro) pelos erros crassos de alguns. Basta de lutar para se manter entre o pífio e o banal, reforçando o complexo de vira-latas perante o mundo. A tendência é se recuperar para a primeira divisão, sem o desespero com os sacrifícios da segundona que a sociedade foi atirada e enfrenta atualmente, e confiar que nunca mais o medo de crises sociais leve o país para a terceira divisão do estado zumbi do socialismo.
Prof. Dr. Márcio Bambirra Santos
*Administrador e Economista.
mb@mbambirra.com.br
Referências:
CLACK, George (Ex. Editor). “Abraham Lincoln: Um Legado de Liberdade”, Departamento de Estado dos USA, www.america.gov, pg. 61., 2008.
HIDALGO, César. “Evolução da Ciência”, Revista Veja, n.33, 19/08, pgs. 20 e 21, 2015.
MUTH, John F. “Rational Expectations and the Theory of Price Movements”, Econometrica, Vol. 29, No. 3 (Jul.), pp. 315-335, 1961.
SIMONSEN, Mário H. “Teoria Econômica e Expectativas Racionais”, Revista Brasileira de Economia 34-4, out-dez, pag . 456 e 457, 1980.
Sites:
https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/
http://www.tesouro.fazenda.gov.br/-/limites-para-a-divida-publica-federal-em-2018-vao-de-r-3-78-trilhoes-a-r-3-98-trilhoes
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